domingo, 21 de outubro de 2012

A possível voz do Essex


A-Rovin, um dos mais conhecidos Sea Shanties de todos os tempos.



"No Coração do Mar"

Para quem gosta de aventuras marítimas, para quem gosta de conhecer as histórias atrás das histórias, aconselho o livro "No Coração do Mar" de Nathaniel Philbrick (Publicações Europa-América). Aqui, encontram-se grande parte dos relatos de Thomas Nickerson, Charles Pollard, bem como descrições vívidas de uma Nantucket desaparecida, e da vida das suas gentes.


Baseado neste livro, encontra-se neste momento em pré-produção um filme com realização de Edward Zwick, que irá ter no principal papel Chris Hemsworth.

O Caso do Cachalote Vingativo

A 12 de Agosto de 1819, o baleeiro Essex partiu de Nantucket, no estado norte-americano do Massachusetts, dirigindo-se aos mares férteis em baleias da costa ocidental da América do Sul. Era pilotado pelo capitão George Pollard de 29 anos, e por Owen Chase de 23. O elemento mais novo da tripulação, Thomas Nickerson tinha apenas 15 anos de idade. Previa-se que esta viagem durasse dois anos e meio.



Foi uma viagem cheia de acidentes e precalços. Tempestades, mudanças de rumo, ilhas povoadas por canibais, incêndios, algum descontentamento a bordo entre a tripulação. Mas a 20 de Novembro de 1820, tudo mudou. Mudou o destino do Essex e mudou, de certo modo, a história da Literatura mundial.

A milhares de milhas da costa sul-americana, o Essex enfrentava uma tensão crescente entre Pollard e Chase, em grande parte devido à falta de pesca. Neste dia em particular, foram avistados alguns esguichos de baleias. A sotavento do Essex, o bote de Chase aproou uma baleia mas o flanco do animal atingiu o bote e abriu uma fenda no casco; a barlavento, o bote onde o capitão Pollard e o segundo imediato se encontravam também tinha arpoado uma baleia, e estava a ser arrastado a uma velocidade vertiginosa. Depois de regressar ao Essex para reparar o seu bote, Chase bem com a tripulação avistaram um cachalote que se comportava de um modo bizarro.

Era muito maior do que os cachalotes normais (presume-se que teria 26 metros de comprimento), e permanecia imóvel à superfície da água com a cabeça virada para o navio. De repente, ganhando velocidade, começou a mover-se na direção do Essex. Primeiro, abalroou-o e depois mergulhou; debaixo de água, voltou a abalroá-lo, e fez com que a embarcação se inclinasse. Acabou por reemergir a estibordo do Essex, com a cabeça virada para a popa e a cauda para a proa, e parecia atordoado e ferido. Chase preparou-se para o aproar, quando se apercebeu que a cauda do cachalote se encontrava a centímetros do leme. Receando que o animal o pudesse destruir se provocado, Chase decidiu não o aproar. O cachalote recuperou e nadou algumas centenas de metros à frente do navio, parou e virou-se de novo para a proa. E voltou a atacar. Desta vez, esmagou a popa como se não passasse de uma casca de noz, fazendo com que a embarcação de 238 toneladas se inclinasse perigosamente para trás. Depois, soltou a cabeça dos destroços, deixando o Essex a afundar-se e nunca mais foi visto.    



Aparentemente, esta história nada teria de especial. Apenas mais um baleeiro que partia para a pesca da baleia, numa viagem longa e árdua. Uma viagem que correu mal. Mas esta história, a história dos seus poucos sobreviventes (alguns dos quais  recorreram ao chamado "costume do mar", em que a tripulação pratica o canibalismo tirando à sorte qual o primeiro que irá ser comido), viria anos mais tarde a inflamar a imaginação de um jovem chamado Herman Melville.

Em 1841, Herman Melville (1819-1891) partiu a bordo do Acushnet rumo ao oceano Pacífico. Nessa viagem, encontraram-se com outro navio no qual era tripulante o filho de Owen Chase. Este terá contado a Melville a história do Essex e do gigantesco cachalote vingativo. Obcecado pela violência de semelhante animal, e por aquela história tão insólita, Melville iria recriar através dos relatos dos sobreviventes todo o episódio. Para além do capitão Pollard, terá contactado Thomas Nickerson, aquele que de todos os sobreviventes fez um relato mais exato do que se passou.

Assim, acaba a história do baleeiro Essex. E assim começa a história de Moby Dick:


Chamem-me Ismael



 


quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Cânticos do Tecto do Mundo

E para acompanhar a leitura de "O Sino da Islândia". deixo-vos com Ólafur Liljurós, uma canção tradicional víkivaki, datada do século XIV, que nos fala de elfos, do cristianismo e de escolhas.


Roçando a perfeição

Sou tradutora, mas não sou crítica literária. Sou tradutora, mas antes de o ser, fui leitora; ou sendo tradutora, sou também leitora.

Assim, começarei de vez em quando a colocar aqui na minha Coluna de Fumo, as minhas opiniões a respeito do que vou lendo. Será apenas a minha opinião e vale o que vale, e não pretendo utilizar raciocínios demasiado elaborados, nem palavras demasiado rebuscadas. Não tenho preparação para isso, mas mesmo que o tivesse não o faria. Quando leio um livro, não o estou a racionalizar. Estou, simplesmente, a lê-lo com maior ou menor prazer. E também não me parece que quem leia as minhas opiniões, esteja interessado nisso. Na verdade, quem estará até interessado nas minhas opiniões?

Começo assim estas minhas opiniões, com o fabuloso "O Sino da Islândia" de Halldór Laxness (Prémio Nobel da Literatura 1955), publicado em Setembro de 2012, pela Cavalo de Ferro. Não preciso de contar a história do livro, para isso basta consultar o site da Editora em http://www.cavalodeferro.com. Mas posso falar-vos do que é ler um livro destes. 

Pegar n' O Sino da Islândia, é tocar em neve, em musgo húmido. É ver um povo pobre e oprimido, num outro século, numa outra vida. É ouvir as suas vozes, os seus gritos. É cheirar as suas manhãs, o seu mar. É saborear o seu peixe, a sua fome. Ler O Sino da Islândia é transcender o próprio sentido de "ler algo". O Sino da Islândia não se lê: inala-se. Há uma claridade que se instala, todo um outro mundo que se abre. Os pulmões ficam desobstruídos, os olhos mais límpidos, a garganta mais desanuviada. O Sino da Islândia não deve ser lido, deve ser respirado.

E quando se chega ao fim e se vêem passar os "cavalos negros, molhados de orvalho", sabemos que passámos por um momento único na vida. Voltamos a guardá-lo na estante, não o vamos trocar ou emprestar, porque haverá um dia em que quereremos lá voltar. Ou, citando uma das personagens do livro, "Neste pobre país onde tudo morre, dias destes reflectem a verdadeira natureza da vida eterna". E eu vou um pouco mais longe, "Neste pobre mundo onde tudo se corrompe, livros destes roçam a perfeição".

Deixo também uma chamada de atenção, para a extraordinária tradução de João Reis. Sem ela, esta obra de arte não teria tamanha intensidade. Obrigada, João.

 

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A Luz de Faulkner


A 25 de Setembro de 1897, nascia William Cuthbert Falkner (mais tarde alteraria o seu apelido para Faulkner). Ou seja, há exatamente 115 anos.

O maior escritor norte-americano de sempre (quais Franzen, quais carapuça!), recebeu em 1949 o Prémio Nobel da Literatura; em 1951, recebeu o National Book Award com "Collected Stories"; e em 1955, volta a receber este prémio com "A Fábula" (livro que tive o enorme prazer de traduzir). Neste mesmo ano, recebe também o Pulitzer com "A Fábula", e em 1962, viria a receber de novo o Pultizer, com o seu romance "Os Ratoneiros".

Estes são poucos dados de um homem que é, para mim, "larger than life". Foi à semelhança de Bernard Shaw, um "adorável mentiroso", na sua juventude. Criou-se, ou recriou-se, no papel de oficial cujo avião foi abatido durante a guerra (a 1ª, é claro; a Mãe de todas as outras).

Poderia falar muito de Faulkner. Sei muito a respeito deste senhor. Tenho uma tese, escrita e apresentada a seu respeito. Podia dizer-vos que ficou conhecido pelo seu "experimentalismo" na dicção e cadência do inglês. Poderia dizer-vos que foi o criador do "universo" de Yoknapatawpha, porque é de um universo que se trata. Podia dizer que ninguém escreveu o Sul dos Estados Unidos como ele; que o verde é mais verde com Faulkner; que o calor do verão mais quente lisboeta, não se compara ao calor de Faulkner; os seus cheiros são mais intensos, as suas sombras mais escuras, e as suas aragens mais frescas que as da vida real. Podia contar-vos que, ao ser apresentado a Clarke Gable, na época, o Rei de Hollywood, este lhe terá perguntado: "Muito prazer, Sr. Faulkner, como é que o senhor ganha a vida?", ele terá respondido: "Ganho-a a escrever romances, e o senhor?".

Podia dizer tanta coisa, mas seria sempre pouco. Faulkner é Faulkner, é este nome que se enrola na língua, é este folhear de páginas que não queremos parar. São os seus 19 romances, os seus 125 contos, os seus 20 argumentos, 1 peça, 6 antologias de poesia, bem como centenas de cartas, ensaios, artigos e muito mais, que nos saberão sempre a pouco.

Faulkner morreu em 1962, e eu nasci em 1965. Tenho pena que não tenha esperado por mim. Mas quem sabe?, talvez um dia, nalgum universo paralelo nos possamos encontrar. Sentar-nos-emos em cadeiras de baloiço num alpendre, a beber salsaparrilha, a ver passar os negros que conduzem mulas com chapéus de palha. Falaremos, então, daquele verde tão intenso que nos queima os olhos, daqueles rios que reluzem como diamantes. Falaremos de Fábulas, de Palmeiras Selvagens, de Santuários, de Sons e Fúrias. E falaremos da Luz de Agosto, porque enquanto houver Luz e enquanto existir Agosto, estes brilharão sempre em nome de Faulkner.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Comes and Goes - Greg Laswell


O Melhor de Portugal

Eu tenho muito, muito mau feitio. E confesso que há coisas que me irritam solenemente.

Uma delas são os constantes comentários negativos à prestação portuguesa nos Jogos Olímpicos, que se ouvem e que se leem nas redes sociais. Sim, estamos a ser eliminados; sim, não somos tão bons como
os outros países. Mas ninguém se lembra que os nossos atletas não têm nem metade, nem um terço dos meios dos atletas dos outros países. Não têm patrocinadores como os outros, não têm estados inteiros a apoiá-los. Não têm sequer um "povo" que os apoie.

Há uns tempos ouvi falar de uma atleta do norte, que iria participar nos campeonatos mundiais no Cazaquistão, mas que devido a cortes, para o poder fazer teria de pagar a sua participação do próprio bolso. Precisava de 1200 €. O treinador, habitantes e empresas da região reuniram-se e conseguiram juntar 900€. Não participou. Não pôde. Por 300 €. Este é apenas um exemplo, entre muitos, muitos, que de certeza existem.

Todos os portugueses que integram a delegação portuguesa são já campeões olímpicos por direito próprio. Estão lá por pura força de vontade, por pura perseverança. Fazem o que podem com o pouco que têm; e são agora constantemente humilhados em comentários estúpidos por treinadores de sofá "portugueses", que refastelados nas suas casas, só se lembram deles para os denegrir e vilipendiar. Não falam deles durante anos, nem sabem quem são, nem o esforço e o sacrifício de que necessitaram para chegar onde chegaram. Todos conhecem a Seleção Nacional de Futebol, e quem saiu de que clube da 1ª Divisão para se juntar a outro. Mas ninguém sabe sequer os nomes dos elementos da delegação portuguesa.

Os nossos atletas podem não ganhar medalhas, podem até ser eliminados, mas a sua simples presença, a presença da sua força de vontade para representar um país que, pura e simplesmente, os ignora anos a fio, vale mais que todo o ouro do mundo.

Eu orgulho-me dos eliminados e vencidos da Delegação Olímpica Portuguesa. São Portugal no seu melhor.

domingo, 29 de julho de 2012

l'Amitié - Herbert Pagani

L'Amitié - Herbert Pagani

Ca fleurit comme une herbe sauvage
N'importe où, en prison, à l'école,
Tu la prends comme on prend la rougeole
Tu la prends comme on prend un virage

C'est plus fort que les liens de famille
Et c'est moins complique que l'amour
Et c'est là quand t'es rond comme une bille
Et c'est là quand tu cries au secours
C'est le seul carburant qu'on connaisse
Qui augmente à mesure qu'on l'emploie
Le vieillard y retrouve sa jeunesse
Et les jeunes en ont fait une loi.

C'est la banque de toutes les tendresses
C'est une arme pour tous les combats
Ca réchauffe et ca donne du courage
Et ça n'a qu'un slogan " on partage"

Au clair de l'amitié
Le ciel est si beau
Viens boire à l'amitié
Mon ami Pierrot

L'amitié c'est un autre langage
Un regard et tu as tout compris
Et c'est comme S.O.S. dépannage
Tu peux téléphoner jour et nuit.

L'amtitié c'est le faux témoignage
Qui te sauve dans un tribunal
C'est le gars qui te tournes les pages
Quand tu es seul dans un lit d'hopital

C'est la banque de toutes les tendresses
C'est une arme pour tous les combats
Ca rechauffe et ca donne du courage
Et ca n'a qu'un slogan : "on partage";

Os Raios de Mitrídates

Celebra-se o Sol, celebra-se a amizade, os momentos únicos.

Que se celebre Mitrídates, o meu deus, o único em que acredito. O único que vejo surgir e desaparecer. Mitrídates é grande; os amigos preenchem cada instante. Todos os amigos, os presentes, os passados, os futuros. Os que continuam connosco, os que partiram para outras latitudes. Os mais novos, os mais antigos. Os que nos ensinam, os que aprendem.

São a encarnação de Mitrídates. Mitrídates, que desce à terra, não para ser crucificado, mas para se espraiar nos sorrisos dos amigos. Os amigos são raios solares. E Mitrídates é imenso.

The Arrow and The Song

I shot an arrow into the air,
It fell to earth, I knew not where;
For, so swiftly it flew, the sight
Could not follow it in its flight.

I breathed a song into the air,
It fell to earth, I knew not where;
For who has sight so keen and strong
That it can follow the flight of song?

Long, long afterward, in an oak
I found the arrow, still unbroke;
And the song, from beginning to end,
I found again in the heart of a friend.

Henry W. Longfellow, in The Belfry of Bruges and Other Poems

quarta-feira, 11 de julho de 2012

O Escritor-Fantasma

"... Sempre que Félix salta para cima da minha secretária, o perigo espreita. Incapaz de travar sobre a superfície de madeira escorregadia, ele desliza até embater no primeiro obstáculo. Esse é, regra geral, o teclado, o monitor ou a impressora, e nunca resulta em quaisquer danos excetuando algumas equimoses. Mas presumo que ele agora já esteja habituado a isso...
Já perdi a conta às vezes que substituí o rato ou o teclado, depois de terem ficado destruídos pelo café ou pelo chá da chávena contra a qual Félix chocou. Se estou prestes a repreendê-lo, a sua expressão deixa-me sempre desarmado. Tudo que consigo fazer é sorrir pela mistura singular de estupefacção e remorso. Além disso, eu também sou culpado. Félix salta para cima da secretária, sempre pelo mesmo lado. Se eu colocasse a chávena do lado oposto, nada disso aconteceria. É justo que eu pague o preço pelo meu erro."

O Escritor-Fantasma, Zoran Zivkovic, trad. de Maria João Freire de Andrade (Cavalo de Ferro)

Cats and Dogs

A ouvir

Humanos e não humanos



O verão é a estação do ano que, grande parte de nós, prefere. Talvez não apenas pelas férias, talvez por sentimentos mais irracionais que nos acompanham desde o início dos tempos.

Mas o verão é também a estação do ano em que mais animais são abandonados. Repetem-se os pedidos, os avisos, as campanhas: Não abandonem os vossos animais. Mas, todos os anos, como se fosse rotina da estação, animais que foram oferecidos como brinquedos no Natal são abandonados no verão.

James Dean
Eu confesso-me uma cat person. Não imagino sequer um mundo sem gatos, ou sem felinos de um modo geral. Na falta de um tigre de Bengala, tenho uma persa chamada Summer. Tive muitos gatos, todos com personalidades diferentes, todos indivíduos diferentes, que recordo como membros da família já falecidos. Há quem prefira cães, há quem prefira até outros animais. Mas qualquer que seja a preferência, um animal não deve, não pode ser abandonado. É um crime, e como crime devia ser punido pela lei.

Quem  tem um gato ou um cão, tem sorrisos mais genuínos, alegrias mais autênticas, uma vida mais feliz. Não há dissabor, não há infelicidade, não há mau humor que não desapareça com o ronronar de um gato, ou as lambidelas de um cão. Um gato ou um cão não nos julgam, não nos avaliam. Que lhes interessa se hoje falhámos, se hoje errámos, se hoje não fomos perfeitos? O amor que têm por nós é verdadeiro, é incondicional.

Não ter um animal, e ainda pior, tê-lo e abandoná-lo, rouba-nos a principal característica que nos define: o sermos humanos. Não ter um animal, ou tê-lo e abandoná-lo, priva-nos de uma experiência importante na vida; priva-nos a possibilidade de sermos amados por quem somos, e amarmos sem condicionantes nem restrições.

Não abandone os seus animais. E, se não tem nenhum, está em boa hora de o adotar. Muitos de nós, humanos, já os adotámos. E sentimo-nos muito orgulhosos por isso.

Stephen King

William Faulkner
Jack Kerouac
Virginia Woolf, e Pinka
Kurt Cobain
Ozzy Osbourne
Mark Twain
Morgan Freeman
James Franco
Marlon Brando


Clark Gable
Adrien Brody




Bob Dylan
Freddie Mercury


Barack Obama, e Bo, o cão-de-água português



Hugh Jackman
Orlando Bloom
Selma Blair
Audrey Hepburn
Truman Capote

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Dehra Dun

Ao som de George Harrison.




Os Flamingos Perdidos de Bombaim

"... Karan descobriu que, com o passar do tempo, não chegara a esquecer Zaira, tal como a sabedoria convencional o fizera crer; em vez disso, começara a recordá-la melhor. As suas especificidades eram apenas cortantes e resplandecentes, como a ponta de uma lança. Pormenores incontáveis agitavam-se no ar como traças perturbadas antes de gelarem lentamente para formar algo de composto e sólido, algo que se encontrava numa oposição direta e indiferente à neblina da memória.
Relutante, tristemente, começara a aceitar que um ser humano não era apenas constituído por tudo aquilo que possuía, era também constituído por tudo aquilo que perdera".



Os Flamingos Perdidos de Bombaim, Siddharth Dhanvant Shanghvi, trad. de Maria João Freire de Andrade (Civilização)

Era uma vez um império...


... e um escritor chamado Rudyard Kipling (1865-1936).

Kipling, autor inglês, nasceu em Bombaim e foi enviado com cinco anos para Inglaterra com a irmã, como era costume na época. Faminto de amor e atenção, Kipling foi maltratado e negligenciado pelo casal na casa do qual ficou alojado, e mais tarde, considerado um fracasso no colégio privado que frequentou, onde lhe tentaram impor regras e uma disciplina que lhe eram estranhas. Ao terminar a escola, e faltando-lhe o "necessário" para entrar na Universidade de Oxford, e não tendo os seus pais meios para lhe continuar a financiar a sua estadia na Grã-Bretanha, o pai arranjou-lhe emprego como editor assistente de um jornal na cidade de Lahore, no Punjab (atual Paquistão). E Kipling regressou à Índia aos dezasseis anos de idade. Desde aí, nunca mais parou de escrever.

Atingiu uma fama rápida, sobretudo devido às suas primeiras histórias, e ao modo como descreveu aquele que foi um dos maiores império coloniais do mundo, o Império Britânico. Apesar de reações críticas subsequentes, e a reputação de ultra-conservador e até nazi (algumas das primeiras edições dos seus trabalhos apareciam com uma suástica, embora na altura o partido nacional-socialista ainda não tivesse começado a utilizar a suástica como o seu símbolo. A utilização da suástica, por parte de Kipling, deveu-se apenas ao símbolo do Sol, a "svastika", utilizado em muitas religiões orientais, desde o hinduismo ao budismo), continuou a manter uma popularidade constante entre o público inglês, e mais tarde, mundial.

Rudyard Kipling recusou o título honorário de Sir, de Poeta Laureado e a Ordem de Mérito, mas viria a aceitar o Prémio Nobel da Literatura em 1907, tornando-se a pessoa mais jovem a alguma vez ter recebido esse prémio.

Mas se Kipling sobreviveu até aos nossos dias através dos seus famosos livros infantis, em especial "O Livro da Selva", pouco se fala dos seus livros para adultos ou da sua poesia. Um dos seus poemas mais célebres chama-se "If", e é ainda hoje considerado um dos poemas mais motivacionais de sempre. Contém uma série de regras para a vida "adulta" e máximas para a integridade pessoal, comportamento e auto-desenvolvimento. Linhas deste poema encontram-se gravadas por cima da entrada dos jogadores no Wimbledon's Centre Court.


If


If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you,
If you can trust yourself when all men doubt you,
But make allowance for their doubting too;
If you can wait and not be tired by waiting,
Or being lied about, don't deal in lies,
Or being hated, don't give way to hating,
And yet don't look too good, nor talk too wise:

If you can dream - and not make dreams your master,
If you can think - and not make thoughts your aim;
If you can meet with Triumph and Disaster
And treat those two impostors just the same;
If you can bear to hear the truth you've spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,
And stoop and build 'em up with worn-out tools:


If you can make one heap of all your winnings
And risk it all on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
And never breathe a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: "Hold on!"


If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with kings - nor lose the common touch,
If neither foes nor loving friends can hurt you,
If all men count with you, but none too much;
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds' worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that's in it,
And - which is more - you'll be a Man, my son!

in "Rewards and Fairies" (1909)


quarta-feira, 4 de julho de 2012

Long Live America

Talvez esta seja a verdadeira América, aquela que é pobre, que luta, que não encontra uma saída. A América profunda e interior, a América urbana e degradada. Esta também é a América.




The River - Bruce Sprinsgteen

Liberdade

"... As andorinhas-do-mar erguiam-se de um clima subártico a outro, os gaviões dormiam a voar e nunca aterravam, os tordos cheios de cânticos esperavam por um vento sul e de seguida voavam doze horas sem parar, atravessando países inteiros numa noite. Os arranha-céus e os fios de alta tensão e os moinhos de vento e as torres de telemóveis e o trânsito nas estradas dizimavam milhões de migrantes, mas milhões conseguiam passar, muitos deles regressando à mesma árvore onde tinham nidificado no ano anterior, à mesma cumeeira ou zona húmida onde lhes tinham nascido as penas, e aí, se fossem machos, começavam a cantar. Todos os anos ao chegar, descobriam que mais e mais dos seus antigos lares tinham sido asfaltados e transformados em parques de estacionamento ou em estradas, ou as árvores cortadas e amontoadas, ou urbanizados em parcelas de terrenos, ou devastados para perfurações de petróleo ou mineração de carvão, ou fragmentados em centros comerciais, ou enterrados sob a produção de etanol, ou heterogeneamente arrasados para pistas de esqui, trilhos de bicicleta e campos de golfe... Mas os Estados Unidos ainda eram um país rico e relativamente jovem, e se se procurasse ainda podiam encontrar-se redutos cheios de vida aviária".

Liberdade, Jonathan Franzen, trad. de Maria João Freire de Andrade (Publicações D. Quixote)

I Hear America Singing


Falar da América, neste dia, sem falar de Walt Whitman, o maior poeta de sempre, seria quase um crime de lesa-majestade.

Walt Whitman (1819-1892) foi talvez de todos os autores norte-americanos aquele que mais "cantou" a América, com uma voz de esperança, de fascínio, mas sem nunca esquecer também todos os seus defeitos. Uma sua amiga referiu, "Não se pode compreender a América sem se ter lido Whitman, sem se ter lido Leaves of Grass", e mais tarde Ezra Pound diria a seu respeito, "Whitman é a América".

I Hear America Singing


I hear America singing, the varied carols I hear;
Those of mechanics—each one singing his, as it should be, blithe and strong;
The carpenter singing his, as he measures his plank or beam,
The mason singing his, as he makes ready for work, or leaves off work;
The boatman singing what belongs to him in his boat—the deckhand singing on the steamboat deck;
The shoemaker singing as he sits on his bench—the hatter singing as he stands;
The wood-cutter’s song—the ploughboy’s, on his way in the morning, or at the noon intermission, or at sundown;
The delicious singing of the mother—or of the young wife at work—or of the girl sewing or washing—
Each singing what belongs to her, and to none else;
The day what belongs to the day—
At night, the party of young fellows, robust, friendly,
Singing, with open mouths, their strong melodious songs.

in Leaves of Grass





América, ou o documento que mudou o mundo

Hoje, que se celebram 236 anos da assinatura da Declaração da Independência dos Estados Unidos da América, parece oportuno falar desta Declaração tão conhecida, mas simultaneamente tão ignorada.


A Declaração de Independência foi um documento adotado pelo Congresso Continental a 4 de Julho de 1776, que anunciava que as treze colónias americanas (na época em guerra com a Grã-Bretanha) se consideravam estados independentes, já não fazendo parte do Império Britânico. Foi reunido um comité para redigir esta declaração formal, de modo que a mesma estivesse pronta quando o Congresso votasse a independência. 


A 11 de Junho de 1776, o Congresso nomeou o chamado "Comité dos Cinco" que consistia de John Adams de Massachusetts, Benjamin Franklin da Pensilvânia, Thomas Jefferson da Virgínia, Robert R. Livingston de Nova Iorque e Roger Sherman do Connecticut, para redigirem a declaração. John Adams convenceu o comité a deixar a redação final da declaração, nas mãos de Thomas Jefferson. Este comité apresentou no dia 28 de Junho, um primeiro esboço ao Congresso. O título deste seria "A Declaration by the Representatives of the United States of America, in General Congress assembled". Durante dois dias, o Congresso reviu meticulosamente este rascunho, reduzindo-o para um quarto do seu tamanho: cortando palavras desnecessárias, restruturando a estrutura semântica, entre outros.


No dia 1 de Julho, após revisão do primeiro esboço da Declaração da Independência, o mesmo foi apresentado a Congresso, para posterior debate em relação ao manuscrito e votação a favor ou contra a independência. A delegação de cada colónia (constituída por dois a sete membros) votou entre si, para determinar o voto final. A Pensilvânia e a Carolina do Sul votaram contra a independência; a delegação de Nova Iorque, que não tinha direito a voto, absteve-se. A colónia do Delaware não votou, porque os seus votos estavam divididos entre dois dos seus membros, um que votara sim, e outro que votara não. Os restantes nove representantes das colónias votaram a favor. Durante os dias que se seguiram, houve vários debates e alterações quanto a anteriores tomadas de posição. Depois deste processo concluído, o Congresso debateu então a própria estrutura do documento.


A 4 de Julho de 1776, a Declaração da Independência foi aprovada e enviada para impressão.


Foi assinada por cinquenta e seis delegados, embora hoje se pense que nem todos a terão assinado no mesmo dia. Os seus principais signatários foram Thomas Jefferson, Benjamin Franklin e John Adams. O primeiro a assiná-la foi o presidente do Congresso, John Hancock. A sua assinatura tornou-se icónica, e o seu nome um sinónimo informal para "assinatura". A título de curiosidade, ainda hoje, é muito popular nos Estados Unidos a expressão "I need your Hancock", entre outras.


Estava declarada a Independência. E a América era, então, o país mais novo do mundo.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Para acompanhar Cavafy, temos Leonard Cohen.

Cohen transformou o poema de Cavafy "The God Abandons Antony" (que fala da perda da cidade de Alexandria e do seu império, por parte de Marco António) neste belíssimo "Alexandra Leaving," que nos fala de um amor perdido.



À Espera dos Bárbaros

La invasión de los bárbaros - Ulpiano Checa
Hoje lembrei-me de Cavafy. Ouvi falar dele pela primeira vez no inesquecível e fabuloso "Quarteto de Alexandria" da autoria de Lawrence Durrell, e fiquei curiosa. Depois de o ter descoberto, nunca mais o quis largar.

Constantine P. Cavafy (1863 – 1933) foi um poeta grego que viveu em Alexandria, grande parte da sua vida. Foi essencial para o renascimento e reconhecimento da poesia grega, tanto no estrangeiro como no seu próprio país. Os temas da sua poesia, para além das figuras reais ou literárias da cultura grega antiga, falam-nos da incerteza quanto ao futuro, da psicologia e do carácter moral dos indivíduos, da homossexualidade e de uma nostalgia fatalista existencial. Um perfeccionista, que revia obsessivamente cada uma das linhas dos seus poemas, é ainda hoje um dos poetas mais difíceis de ser correctamente traduzido, em grande parte devido ao seu estilo de pentâmetro iâmbico livre (também muito utilizado por T.S. Eliot e W. H. Auden).

Hoje, lembrei-me de Cavafy. Lembrei-me que continuamos à espera dos bárbaros. Como Cavafy diz, eles poderiam ser uma solução. Mas os bárbaros ainda não chegaram.



Waiting for the Barbarians

What are we waiting for, assembled in the forum?

The barbarians are due here today.


Why isn’t anything going on in the senate?
Why are the senators sitting there without legislating?

Because the barbarians are coming today.
What’s the point of senators making laws now?
Once the barbarians are here, they’ll do the legislating.


Why did our emperor get up so early,
and why is he sitting enthroned at the city’s main gate,
in state, wearing the crown?

Because the barbarians are coming today
and the emperor’s waiting to receive their leader.
He’s even got a scroll to give him,
loaded with titles, with imposing names.


Why have our two consuls and praetors come out today
wearing their embroidered, their scarlet togas?
Why have they put on bracelets with so many amethysts,
rings sparkling with magnificent emeralds?
Why are they carrying elegant canes
beautifully worked in silver and gold?

Because the barbarians are coming today
and things like that dazzle the barbarians.


Why don’t our distinguished orators turn up as usual
to make their speeches, say what they have to say?

Because the barbarians are coming today
and they’re bored by rhetoric and public speaking.


Why this sudden bewilderment, this confusion?
(How serious people’s faces have become.)
Why are the streets and squares emptying so rapidly,
everyone going home lost in thought?

Because night has fallen and the barbarians haven't come.
And some of our men just in from the border say
there are no barbarians any longer.


Now what’s going to happen to us without barbarians?
Those people were a kind of solution.


in Collected Poems (Trad. de Edmund Keeley e Philip Sherrard)







segunda-feira, 2 de julho de 2012

No Império de Genghis Khan

E um excerto...

"... Subimos até aos vales elevados de erva e nómadas. Ao longe, do nosso lado direito, nuvens prateadas afastaram-se para revelarem um abrigo de cumes brancos, caindo na nossa direcção. Conseguíamos cheirá-los através das janelas abertas, o cheiro delicado da neve, dos pinheiros e do ar da montanha. 

Na extremidade mais afastada de um desfiladeiro estreito, descemos até ao vale da Kakhara, deserto e prístino, repleto do cântico de pássaros, sob a luz do anoitecer. Ribeiros montanhosos cintilavam entre erva que tinha a altura de um cavalo. O vale erguia-se majestosamente até um horizonte distante, que poderia ter assinalado a extremidade do mundo. Como um prelúdio à Mongólia, poucos lugares poderiam ser tão prometedores. "

No Império de Genghis Khan, Viagem entre os Nómadas, Stanley Stewart, trad. de Maria João Freire de Andrade (Publicações Europa-América - 2003)
E que melhor música de acompanhamento para o belíssimo "Kubla Khan", do que o grupo de música folcolórica mongol, Borte ( curiosamente, o nome da primeira mulher de Genghis Khan).


Esquecidos - II

Outro grande esquecido, é Samuel Taylor Coleridge (1772-1843), de quem hoje pouco se fala, mas que foi um dos "pais" do romantismo inglês. 

Um dos seus mais belos poemas chama-se "Kubla Khan: or a vision in a dream. A fragment".  Samuel Coleridge terá contado a um amigo, que este poema lhe surgira composto em sonhos, e que assim que acordou sentou-se de imediato a escrevê-lo. Teria sonhado com umas 200 ou 300 linhas, mas enquanto o escrevia alguém o interrompeu, e ele descobriu que o resto do poema se lhe tinha varrido da memória.


O seu título refere-se a Kublai Khan, quinto Grande Khan do Império Mongol e fundador da dinastia Yuan, que dominou uma grande região da Ásia Central durante o século XIII. Neto de Genghis Khan, senhor de um dos maiores impérios da história e o único que não deixou vestígios (o império  também chamado de "Império em Movimento"), Kublai Khan fez de Khanbali (atual Pequim) a sua capital, substituindo a mítica Karakorum, a capital ancestral dos mongóis. 


Kubla Khan

In Xanadu did Kubla Khan
A stately pleasure-dome decree:
Where Alph, the sacred river, ran
Through caverns measureless to man
Down to a sunless sea.


So twice five miles of fertile ground
With walls and towers were girdled round:
And there were gardens bright with sinuous rills,
Where blossomed many an incense-bearing tree;
And here were forests ancient as the hills,
Enfolding sunny spots of greenery.


But oh! that deep romantic chasm which slanted
Down the green hill athwart a cedarn cover!
A savage place! as holy and enchanted
As e'er beneath a waning moon was haunted
By woman wailing for her demon-lover!
And from this chasm, with ceaseless turmoil seething,
As if this earth in fast thick pants were breathing,
A mighty fountain momently was forced:
Amid whose swift half-intermitted burst
Huge fragments vaulted like rebounding hail,
Or chaffy grain beneath the thresher's flail:
And 'mid these dancing rocks at once and ever
It flung up momently the sacred river.
Five miles meandering with a mazy motion
Through wood and dale the sacred river ran,
Then reached the caverns measureless to man,
And sank in tumult to a lifeless ocean:
And 'mid this tumult Kubla heard from far
Ancestral voices prophesying war!


The shadow of the dome of pleasure
Floated midway on the waves;
Where was heard the mingled measure
From the fountain and the caves.
It was a miracle of rare device,
A sunny pleasure-dome with caves of ice!


A damsel with a dulcimer
In a vision once I saw:
It was an Abyssinian maid,
And on her dulcimer she played,
Singing of Mount Abora.
Could I revive within me
Her symphony and song,
To such a deep delight 'twould win me
That with music loud and long
I would build that dome in air,
That sunny dome! those caves of ice!
And all who heard should see them there,
And all should cry, Beware! Beware!
His flashing eyes, his floating hair!
Weave a circle round him thrice,
And close your eyes with holy dread,
For he on honey-dew hath fed
And drunk the milk of Paradise.


Kubla Khan: or a vision in a dream. A fragment (concluído em 1797 e publicado em 1816)

terça-feira, 26 de junho de 2012

Esquecidos - I

Um dos poemas mais intensos da língua inglesa, e talvez um dos mais esquecidos, "Invictus" é da autoria do poeta inglês William Ernest Henley (1849-1903). 


Escrito por William E. Henley, em circunstâncias dramáticas, este poema viria, mais tarde, a ser utilizado como mensagem de esperança por Nelson Mandela quando encarcerado em Robben Island. Nelson Mandela recitava frequentemente o poema "Invictus" aos outros prisioneiros para lhes dar força e coragem. 


Ironicamente, o "Invictus" também foi escolhido por Timothy McVeigh (o perpetrador do atentado ao centro comercial em Oklahoma City, ocorrido a 19 de Abril de 1995) como declaração final antes da sua execução por injeção letal, a 11 de Junho de 2001. 




Invictus 


Out of the night that covers me, 
Black as the Pit from pole to pole, 
I thank whatever gods may be 
For my unconquerable soul. 


In the fell clutch of circumstance 
I have not winced nor cried aloud. 
Under the bludgeonings of chance 
My head is bloody, but unbowed. 


Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.


It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll.
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul. 

in Book of Verses, William Ernest Henley (1888)





Aqui dito por Alan Bates, um dos esquecidos de que um dia falarei.

Ironias do Destino

E acabadinho de chegar às minhas mãos, aqui fica uma "coisinha"...


"Pois acontecem muitas coisas àqueles que mergulham até ao fundo do mar. As pérolas em si mesmas são objetos de mistério e aventura; se uma pessoa seguir o percurso de uma única pérola, essa dar-nos-á assunto para uma centena de histórias. E as pérolas são como as histórias dos poetas: doença transformada em beleza, simultaneamente transparentes e opacas..."


in "O Mergulhador", Ironias do Destino, Karen Blixen, trad. de Maria João Freire de Andrade (Clube do Autor)





Música do dia

Da Necessidade das Coisas

Já há muito tempo que várias pessoas insistem que devo criar um blog. Nunca o fiz, ou nunca o fiz a sério. Sempre achei que os blogs são para pessoas que têm coisas a dizer; e não acho que seja uma pessoa que tenha coisas para dizer. 


Mas se calhar ainda há coisas necessárias para se dizer. Se calhar, ainda há coisas que não foram ditas ou, muito pior, que foram esquecidas. Há tantas colunas de fumo.


Então, aí vai uma coisa necessária e esquecida. Uma coisa de William Blake.


The Tyger

Tyger! Tyger! burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry? 


In what distant deeps or skies
Burnt the fire of thine eyes?
On what wings dare he aspire?
What the hand dare sieze the fire? 



And what shoulder, & what art.
Could twist the sinews of thy heart?
And when thy heart began to beat,
What dread hand? & what dread feet? 



What the hammer? what the chain?
In what furnace was thy brain?
What the anvil? what dread grasp
Dare its deadly terrors clasp? 



When the stars threw down their spears,
And watered heaven with their tears,
Did he smile his work to see?
Did he who made the Lamb make thee? 



Tyger! Tyger! burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Dare frame thy fearful symmetry? 



Songs  of Experience, William Blake (1794)