terça-feira, 30 de setembro de 2014

Conto de Títulos


Pois que só sou tradutora, porque traduzi livros. Aqui fica uma homenagem aos rapazes. Ou "De como escrever um pequeno conto, com os títulos de alguns livros que traduzi". Espero que se divirtam tanto a lê-lo, como eu me diverti a escrevê-lo.

Há "Conflitos" "Nas Fronteiras Celestiais" e "Flamingos Perdidos em Bombaim". Há "Cavalos Roubados" "No Império de Genghis Khan". Há um "Agente Secreto" que conhece uma "Mrs. Dalloway" e uma “Madame Hemingway”; e "Mosquitos" que atacam "os Nus e os Mortos". Há um "Passado Imperfeito" de "Destinos Entrelaçados", e quando existe "Liberdade" até se pode beber "Uma Caneca de Tinta Irlandesa" ou conhecer-se uma "Raposa Azul". Pode ver-se um "Amanhecer com Monstro Marinho", ler-se "A Fábula" ao som de "Sete Notas Musicais" e até ouvir-se as confissões de "Eu, Lucífer". Pode oferecer-se "Uma Tulipa para Anne Frank” ou dar-se “A Recompensa do Soldado”, num “Lugar sem Nome”. E há muita “Beleza e Tristeza” em “Kanikosen, o Barco dos Homens”, e “Uma Menina que fazia Nevar” num “Inverno Russo”. Pois, que nós que “Sempre Vivemos no Castelo” sabemos que a “A Morte é um Acto Solitário” tal como sabemos que “Deus Não Gosta de Nós” e dizemos muitas vezes “Maldito seja o Rio do Tempo”. Depois lembramo-nos que há um “Pássaro de Peito Vermelho”, um “Barril Mágico”, uma “Luz entre Oceanos”, um “Príncipe de Fogo” e “Sementes Mágicas”. Infelizmente, também escorre “O Sangue dos Inocentes” enquanto se pensa num “Regresso ao Suez” como se fossemos “Agentes da Inocência”. E enquanto “O Confessor” grita “Next”, alguns podem ser “Apanhados pela Tempestade” ou por uma “Epidemia”. Sim, porque nestas coisas podem aplicar-se “As Regras do Tagame”. E se “A Cor do Coração” tem um nome, podia chamar-se “Love” ou “Beloved”, ou talvez até “O Quinto da Discórdia”. E “A Casa Vermelha” nem sequer fazia parte d’ “A Herança”. Só “Visto da Lua”, o “Sepulcro” do “Maravilhoso Feiticeiro de Oz” pode parecer uma “Pirâmide”. E se “Em Território Pirata” se fala d’ “O Estranho Caso Ford”, estamos todos de “Olhos Pousados em Deus” sob “Oito Noites Brancas”. E a rapariga que “Chamava-se Sara” já anda de “Saltos Altos”, enquanto espera por uma “Vingança a Sangue Frio” seguida pel’ “A Visita do Médico Real”. E, “Ironias do Destino”!, enquanto se escrevia “O Epigrama de Estaline” havia “Guerreiros do Arco-íris”, e um homem perdido que dizia chamar-se “Robinson Crusoe”, mas havia quem o tratasse por “O Homem Ilustrado”. Na altura, com “Jeff em Veneza...” pensávamos: “Vamos Todos Matar Constance” para revelar “O Segredo de Mona Lisa”. E uma “Águia de Sangue” levantou voo acima das “Princesas Incas” e d’ “As Meninas”; trazia no bico “A Joia de Medina” e tatuada no peito “A Estrela do Diabo”. Mas, afinal, “Só Resta o Amor” que nem tem de ser galego...lol... e não nos esqueçamos de “A Vida Peculiar de um Carteiro Solitário” ou que “Os Monstros também Amam”. Porque nisto tudo que acabei de dizer, e ainda entre “As Aventuras de Tom Sawyer” e “As Aventuras de Huckleberry Finn”, temos de considerar “O Factor Humano”. E qual é o interesse disto tudo? Absolutamente nenhum. Milhares de palavras escritas em folhas de papel por um “Escritor-Fantasma”.

Porque, acima de tudo e acima de todos, ergue-se uma “Coluna de Fumo”. E a próxima paragem é Istambul.



Dia do Tradutor 30/09/2014


E hoje é o dia de "nozes", ou o nosso dia.

Que São Jerónimo nos valha!

Somos mesmo um desperdício de espaço e de tempo. Já pensaram nas centenas de milhares de horas que, por exemplo, aqui a euzinha perdeu em mais de 20 anos de traduções? Nos milhares de kilowatts de electricidade que a euzinha gastou? Nos milhares de árvores que foram abatidas, para que nelas surgissem as palavras que a euzinha traduziu?

E para quê? Digam-me, para quê? Apenas para ter umas centenas de livros com o seu nome nas estantes? Apenas para saber que o seu nome será para sempre associado a um certo número de autores e obras? Apenas para saber que do outro e deste lado do Atlântico há teses de doutoramento, nas quais surgem as suas traduções como obra de referência? Apenas para sorrir quando vê por acaso num autocarro ou num café, alguém a ler um livro que também é seu? E ainda por cima, tornou-se pecadora, encheu-se de orgulho com todas aquelas palavras que, afinal nem eram dela, e que a deixaram doente, com dores de cabeça, a tremer de frio, a suar estopinhas? Uma grandíssima pecadora e uma gastadora de tempo e recursos naturais.

E tudo isto por causa do malandro de um tal de Jerónimo que morreu faz hoje 1594 anos, e que na falta de Facebook meteu na cabeça traduzir a Bíblia para latim. Sinceramente, as pessoas daquele tempo não tinham mesmo nada para fazer. Ainda por cima, fazem com que as pessoas deste tempo que até têm Facebook e muito que fazer se lembrem dele e que se sintam levadas a escrever um monte de disparates.

Ah, São Jerónimo, não havia mesmo necessidade...